quinta-feira, 27 de março de 2014

La Belle Personne

Depois do período Oscar, recomecei a assistir (ou re-assistir) filmes de anos passados. Ontem, graças a uma linda noite entre amigas, re-assisti La Belle Personne do cineasta francês Christophe Honoré (2008).


La Princesse de Clèves e Nemours
A história, por ser baseada nos temas principais do romance de Madame LaFayette La Princesse de Clèves - conforme aparece em epígrafe ao próprio filme - é resumivél em poucas palavras: a moça comprometida não cede à paixão de um amor proibido e o recusa.
O que faz toda a diferença é a contextualização: nos bons tempos da princesa Clèves, durante a regência da monarquia francesa de Henrique II, temos uma alta bourgeoisie completamente corrompida pelo luxo e pela luxúria. A princesa sobressai por ser um ponto fora da curva e recusar qualquer tentação, mesmo sabendo que seus sentimentos para Nemours são verdadeiros (porém volúveis). Mas, por serem sinceros, não era coisa tão chocante, naquela época, recusar uma paixão por motivos morais pessoais (quero dizer, só porque Madame Bovary não conseguiu não significa que ninguém conseguia!).


Junie e Nemours
O que nos deixa mais perplexos é uma garota de dezoito anos, mesmo que muito sensível, estar apaixonada e correspondida e não somente recusar sua paixão categoricamente, quanto fugir de malas prontas sem dar nem a mínima chance para uma eventual mudança de idéia. Ela não acredita no compromisso eterno de Nemours e prefere guardar esse sonho que ficar decepcionada e manchar com a triste realidade um lindo amor. Honoré, em seus filmes muitos sofridos, nunca nos poupa um suicídio, um colapso depressivo, algumas brigas amorosas e litros de lágrimas (e, às vezes, um Louis Garrel completamente nu). Em La Belle Personne, ele capricha no relacionamento platônico de Junie e Nemours até o limite do anacronismo. No final nos perguntamos: seria possível isso hoje?

segunda-feira, 24 de março de 2014

I'll be a Beautiful Angel

Finalmente, chegou a hora de falar sobre Dallas Buyers Club (O Clube das Compras de Dallas), essa valiosa aula de recitação.

Matthew Vs. Ron
Em primeiro lugar, a história verdadeira de Ron Woodroof poucos conheciam antes dele ser incorporado por Matthew McConaughey no filme desse ano. Ele realmente criou o Dallas Buyers Club depois de ter desistido do sistema de cura que a saúde pública dos EUA, regulamentada pela Food and Drug Administration (FDA), tinha planejado para o número crescente de pacientes com AIDS na década de 1980.
Conforme qualquer doença fatal ou muito grave, o processo para chegar em um tratamento minimamente satisfatório para essa doença imuno-deficiente demorou anos ou, como muitos diriam, ainda não chegou. Os interesses envolvidos são dos mais perigosamente poderosos: vida, dinheiro e o próprio poder de interferir com ambos. Embora personagem muito controversa, o Ron é, ainda hoje, lembrado pelo compromisso muito grande que teve com essa causa.

Depois que assisti o filme, do qual não tinha a mínima expectativa, nem muito conhecimento por ter sido ofuscado pelos colossos 12 Years a Slave e outros concorrentes do Oscar desse ano, me senti completamente transportada pela atuação incrível que logo se percebe ao conhecer os protagonistas desse longa. Seria muito redutivo dizer que o trabalho dos atores foi de qualidade porque eles perderam peso para interpretar o Ron e o Rayon. Mas, sim, eles perderam peso e, julgando pelo olhar, perderam também a esperança, a felicidade e tudo que deixa um ser humano sereno e confortável dentro de uma multidão social. 

Jared Leto como Rayon
Matthew McCounaghey e Jared Leto se prepararam muito bem e duramente para interpretar as duas personagens e nós espectadores sentimos o resultado dessa preparação em cada cena. Especialmente o Leto não está interpretando um transexual mas, primeiramente, um doente de AIDS que combate pela causa do Clube e contra a doença. Claro que o background da personagem é de complexa problemática por ter sido afastado pelo pai e ter contraído a doença pela vida promíscua de drogas e sexo que já fazia parte de um passado dilacerante de sofrimentos; mas a mensagem que a personagem me passou foi de que não importa que você seja preto, branco, mulato, gay, transexual, velho, jovem, casado ou solteiro. Em uma doença desse tipo todos esses aspectos são transcendidos pela impotência de viver em um mundo que continua rodando, mesmo enquanto você é doente terminal. E então, todos eles começam a se aglutinar e a fazer parte do mesmo capítulo da história. Rayon chega a voltar para pedir ajuda ao seu pai e faz isso com roupa masculina, doa o único dinheiro que tem ao Ron para não deixar o Clube morrer - mesmo que precise deste, ainda, para se drogar - vai ao hospital para morrer em silêncio; praticamente, é a alma do filme e da aglutinação deles todos.

Li um artigo do Steve Friess (TIME) no qual o jornalista escreve sobre seu total desacordo com o Oscar com o qual a Academia premiou o Leto pelo papel de Rayon. Ele afirma que, assim como a atriz Hattie McDaniel em 1940 ganhou o Oscar pelo papel de Mummy no E o Vento Levou somente por ser negra, hoje o Leto ganha o Oscar "somente" por interpretar um transexual. 

Para contestar o Friess, queria tocar dois pontos: o primeiro tem a ver com a integridade (ou a falta desta) na Academia; o segundo é sobre o que seria uma boa atuação. Começando com a Academia, acho, de fato, que esta é sujeita a julgamento moral primeiramente pela própria sociedade EUA mas que, se tivéssemos que seguir o raciocínio do Freiss (quem quiser entender melhor seu ponto de vista, é bom ler o artigo aqui), não deveria ter ganhado um ator """normal""" que faz o papel de um transexual e, sim, um ator transexual. Sobre a atuação di per se, me desculpem os seguidores de Friess, mas estou muito incline a definir o trabalho do Leto praticamente impecável. É emocionante, honesto e muito minucioso. Os olhares nos penetram como lâminas profundas no coração e, nos nossos mundos de hipocrisia intermitente, achamos super justificado cada furo de heroína que seu corpo aguenta. Quem deveria ter recebido o prêmio e foi desmerecido?

Aguardo comentários para saber se é mais fácil comprar a versão do Freiss ou a minha!

sábado, 22 de março de 2014

Uma janela indiscreta sobre uma história infame

Queria muito me abrir sobre um filme que amei, Dallas Buyers Club, mas sinto que estou devendo ainda uma reflexão -forçada- sobre o Twelve Years a Slave; enrolar não vai mudar as coisas: o filme te estupra a alma.

Steve McQueen achou sensato nos subministrar mais de duas horas de agonia ao tentar nos relegar o papel de espectadores, na sombra da prisão que era a escravidão, e nos deixar impotentes de qualquer atitude, pois nós somos o presente que é um futuro muito longe do passado das barbarias que se foram. Nós não somos ninguém, quando Solomon agoniza pendurado com a corda no pescoço e com os pés na lama traiçoeira -e ficamos segundos que parecem minutos que parecem horas olhando para ele, em silêncio-, quando Patsy é chicoteada violentemente até os ossos por ter sido obrigada a sofrer os ataques sexuais de outro senhor, no lugar do seu. Nós ficamos passivos na escuridão chorando e querendo fugir como se o trem estivesse entrando na sala de cinema, pois tudo que a gente vê é muito mais verdadeiro e real que o próprio trem chegando no trilho. 

Sim, do meu ponto de vista o McQueen conseguiu brilhantemente nos deixar completamente na lama da miséria humana. Foi uma tentativa muito bem sucedida de relembrar do legado que temos com a nossa natureza de bestas. 


Embora eu prefira mil vezes mais o estilo do Tarantino (nada a ver falar dele agora!) com o Django, há de se reconhecer a qualidade desse filme, suprema. Achei a fotografia muito escura, complementando o objetivo do filme, e a trilha sonora bem colocada nos momentos que precisavam. O silêncio desolador da cena do enforcamento do Solomon é de arrepiar.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Von Trier-maniac

A loucura do Von Trier já não é mais grande segredo. Sabe muito bem disso quem já teve a ousadia de se aventurar na longa-metragem Antichrist, filme que o Lars decidiu escrever e rodar numa época de depressão. Acho que, quem ainda não viu esse filme, já pode imaginar do que se trata com essas poucas palavras.

Mas hoje já se passaram mais de 12 horas da segunda vez que tive a chance de assistir Nynphomaniac 2, daí vem algumas observações sobre ambos os capítulos desse último filme do mais controverso cineasta dinamarquês. Cuidado, minha gente, pois, como para todo filme que será aqui descongelado e desossados depois das 12 horas de hibernação, esse post terá um conteúdo altamente spoiler e, portanto, só continuem ler os que JÁ VIRAM as duas partes do filme. Eu avisei.


Como aprender uma aula com Nynphomaniac

A primeira parte do filme chocou alguns. Eu não sei dizer se me tocou nesse sentido. Talvez, depois de 12 horas comecei achar bem "transgressivo" mas sem ter me perturbado por isso. É um prólogo para o segundo e mostra, com as palavras da própria Joe, o quanto e o como a sua vida sempre foi focada na sexualidade e que ela nunca conseguiu discernir a sua sexualidade com o resto dos aspectos da vida. É um conto que achei bem dramaticamente divertido. Achei que o Von Trier quis que a gente risse mas daquele riso bem irônico. Afinal, a Joe não consegue ter uma vida satisfatória por mais que ela tente.


Expiação em Nynphomaniac 2
Para a segunda parte do filme, Nynphomaniac 2, eu teria o resumo em uma palavra: expiação. A Joe parece ter noção de que, tudo que está acontecendo de "errado" nessa fase adulta da sua vida é como se fosse o preço que está pagando por ter tido uma sexualidade completamente fora de qualquer padrão. A divisão em capítulos é quase um roteiro dantesco que consegue achar sempre um final inusitadamente expiatório para cada estória. Até a última cena na qual ela confessa ao Seligman que ele talvez seja o único amigo que ela já teve e, logo depois, ele tenta ter uma relação sexual com ela, é triste e frustrante. Von Trier ao entrar na alma humana, tenebrosa e pungente, mais uma vez mostra que o principal perigo não está fora de nós; que alguns conseguem conviver com tudo, outros não, e outros passam por um longo processo de expiação, como já aparece em Dogville, Europa e Melancholia entre outros. O tiro que a Joe dá no Seligman a deixa, porém, novamente sozinha à mercê da própria mania. Confesso que fiquei muito mais que 12 horas pensando na última cena. Me tocou de uma forma que, mais uma vez, não parei de pensar "o Von Trier é um doente".

Sobre a técnica do longa, eu sou, e aqui eu vou admitir uma vez por todas, uma grandíssima fã das escolhas do Von Trier: gosto dos cortes, da luz, do som. E a imagem que mais gostei do filme foi uma linda fotografia que vemos no capítulo "The Gun" quando a Joe encontra a própria árvore; são duas imagens, uma dela bem pequena com a arvore contornando o perfil e a seguinte dela e da árvore uma contra a outra, como se enfrentando. Se eu achar as imagens, as colocarei. Se alguém achar antes de mim, compartilhe por favor! 



quarta-feira, 19 de março de 2014

Marcello, é solo un trucco!


Agora, voltando aos dias de hoje, decidi começar o blog com um filme que me emocionou, que me levou à reflexão, que despertou recordações e que, pessoalmente achei sensacional e, dessa vez, tem um "legítimo" título italiano: La Grande Bellezza. Foi um filme sofrido: vi ele aqui em casa com amigos numa versão baixada (c'est la vie...) e dormi mal. Depois das 12 horas, acordei com a sensação horrível que eu tinha rebaixado uma obra de arte ao nível de um seriado americano. Thank God consegui pegar uma sessão no Laura Alvim e recoloquei em jogo minhas espectativas. Depois de 12 horas não parava de pensar nele. Bom, além de ser um filme lindo, com uma fotografia fantástica e tudo que tem de melhor, o que mais me intrigou foi a homenagem muito bem pensada e feita à "La Dolce Vita". Se alguém tiver dúvidas já vai repensar:

A Personagem: Jep VS. Marcello

Claro que, em ordem de evidência, ia começar com o elemento mais trivial. Jep, assim como Marcello, é um escritor e jornalista que mora em Roma, gosta de mulher problemática e, no final, a única mulher que não "era para ser" e a mulher que mais terá importância na vida dele. Está procurando a quintessência da vida e da existência, é hedonista, o jeito de falar dele e cadenciado mas todo mundo o entende. Anda com as mãos nos bolsos e para no meio do nada para apreciar alguma coisa que os outros não veem, sobretudo algo que se relaciona à infância e à religião.

Falando em Religião:

Os elementos religiosos nos filmes de Fellini são sempre relacionados a um passado que não quer passar. E em Jep isso não é muito diferente, ele tem sempre uma relação tangente com as personagens do "sagrado" porém sem nunca entender a vocação e os segredos delas.

Outras personagens nos dois filmes:

As prostitutas, o amigo inseparável, os burgueses vazios, a nobreza decadente, a menina que o observa, os artistas, alguns do mundo circense, em La Grande Bellezza ele admira o vizinho que acaba sendo preso e em La Dolce Vita o Marcello admira o amigo que acaba se suicidando, no LGB a ex-namorada morre e o marido aparece destruído, no LDV o amigo morre e a mulher aparece destruída.

As cenas e as citações:

1.No "La Grande Bellezza", na cena da orgia de Botox, uma das madames que se faz injetar o veneno convida o médico para a "festa de divórcio dela" onde haverá dançarinas nuas. Em "La Dolce Vita" vemos, de fato, a cena da festa de divórcio com a própria dona de casa fazendo strip. 2.Depois de uma festa sem fim, o Marcello participa de um tour no castelo atrás de relíquias; depois de uma festa, também, sem fim, o Jep também faz um tour desse tipo indo atrás de belas obras de arte (OBS: os figurinos são IDÊNTICOS!) 3.Vários e vários giros noturnos de Roma (linda...) 4. O Jep acorda Ramona com o café da manhã na cama com as seguintes palavras "Vamos Ramona, acorda logo que vou levar você para ver um monstro marinho!", se referindo ao Costa Concôrdia, na última cena de "La Dolce Vita" vemos, de fato, todas as personagens ocupadas a ver um "monstro marinho" que foi pescado durante a madrugada. O Fellini baseava-se muito em fatos de crônica para ter idéias de cenas e cenografia e, no mesmo ano que estava preparando as filmagens, aconteceu o fato curioso de um peixe muito grande e desconhecido sendo pescado e de ter virado sensação jornalística.

Existem outras coisinhas menores que formam essa linda homenagem ao filme do Fellini e, outras talvez tanto importantes quanto, que esqueci ou que não reparei. Pelo resto, a essência do filme vou guardar comigo pois achei genial. Se alguém teve outras impressões sobre esse paralelismo, e já tiver passado das doze horas, pode compartilhar!

Sem Chance

Se estão vendo uma imagem aqui bem no segundo plano, atrás de tudo, e se nasceram na década de 80, já devem ter reconhecido que se trata de uma filmagem de uma cena de um filme bem velho, exatamente de 1984. Ele é "The NeverEnding Story", no Brasil "A História sem fim". Por que estou falando disso no meu primeiro post do blog já vou explicar. Num dia de inverno de 1989, quando eu tinha quatro anos, fui (levada) para a casa de algumas primas. Elas estavam assistindo um filme que estava passando na TV e eu só conhecia desenho animado; nunca tinha visto, até então, imagens de gente em carne e ossos aparecendo na TV. Eu cheguei até a perguntar "essas imagens tem uma história?", daí elas me contaram o que estava acontecendo no tal do "filme", palavra que para mim era sinônimo de "cerveja", "cigarro", "palavrões" e "gente grande". Eu achei aquilo o máximo e me senti tão emocionada que ainda, quando vejo esse filme, sinto a mesma coisa. O filme era "The NeverEnding Story", mas para mim era só "La Storia Infinita" pois, como qualquer filme na Itália, era dublado. Isso. La Storia Infinita foi o primeiro filme da minha paixão por cinema que não teve mais volta, sem chance!