quarta-feira, 30 de julho de 2014

O discreto fascínio da decadência

Ontem, driblei milagrosamente o transito maluco que dita as leis no Rio em horário vespertino e consegui chegar na sala 2 do Roxy bem quando as luzes estavam perdendo intensidade para deixar o projetor nos encantar com Grande Hotel Budapeste. Sai de lá feliz. Depois de doze horas fiquei de novo com vontade de assistir!


O então fictício L'air de Panache,
hoje à venda na internet
O filme é um encanto de cores. A delicadeza das personagens nos deixa uma calma e nos inspira uma saudade de tempos que não vivemos mas, mesmo assim, imaginamos já ter visitado; talvez um dia, em nossos passados. 








Courtesan au chocolat da
 fictícia confeitaria Mendl's
Os perfumes e os sabores, que não podemos sentir, são apresentados de tal forma a entrar em nossa mente e recriar perfumes e sabores que já experimentamos na infância: um perfume da vó no vidro geométrico com borrifador e os éclairs da confeitaria Colombo. 





Apresenta uma cenografia de outdoor levemente onírica pois - ótima escolha, Wes Anderson!! - as montanhas, o teleférico, a pista de esqui e o próprio hotel, em sua versão de antiga glória em rosa, são maquetes. Isso contribui a remeter àquela sensação de falsas lembranças de criança e, também, a uma película em preto e branco colorida posteriormente, como nos melhores filmes do início do século XX. 


Até pensei que todas essas sensações fossem fruto de minha imaginação, quando descobri, com minha enorme surpresa, que o Grande Hotel Budapeste "existe" e é muito bem recomendado no Tripadvisor (vide no link)! Achei a ideia excelente! Isso só mostra como o toque de decadência romântica do filme nos envolveu profundamente.




Uma irreconhecível Tilda Swinton
O time de celebridades que trabalhou no filme nem precisa de apresentações. Mas o fato interessante é que todos eles, com exceção de Ralph Fiennes no papel do gerente do hotel e de Jude Law, o escritor, aparecem por poucos minutos, se não segundos, como é o caso de Bill Murray. Tilda Swinton, quase irreconhecível com seus olhos vidrados, ostenta uma elegância e fineza de outras épocas.





O time do Grande Hotel Budapeste
Eles fazem parte do prestígio que o Grande Hotel Budapeste representa; são pequenas grandes preciosidades que se confundem com as cortinas, os tapetes, as cerâmicas e os perfumes do glorioso e decadente lugar. 


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Versões piores do que eu já fui

Pensei em ver por muito tempo. Finalmente consegui e essa semana vi Her, no Brasil Ela.

Preciso, antes de tudo, ressaltar o quanto sou super fã do diretor, Spike Jonze, que não só dirigiu outro filmaço de consideração, Being John Malkovich (1999), quanto, sobretudo, é personagem de grandíssimo destaque na direção de vídeos musicais ao lado de seus amigos e colegas de trabalho Chris Cunningham e Michel Gondry. Feras, não tem outras palavras para descrever. Só pelo gosto de citar alguns, eles já realizaram alguns dos mais famosos vídeos de Chemical Brothers, Bjork, Fatboy Slim, Beastie Boys, Duft Punk, Aphex Twin. 

Bom, dessa vez, Jonze se aventurou em lugares sombrios do entendimento seres humanos/máquinas. O campo de ação do filme, ambientado em um futuro ultra-tecnológico, é o da inteligência artificial (AI) e, tanto o foco quanto o climax, introduzem um conceito fascinante que é o da singularidade tecnológica (Technological Singularity); conceito que já há décadas foi imaginado e explicado por cientistas segundo metodologias de multiplicação seletiva da AI até níveis tão altos que chegariam a ser mais sofisticados que o próprio cérebro humano.

E foi justamente pensando em um futuro desse tipo - que os cientistas imaginam acontecer entre 2030 e 2045 - que Jonze nos faz imaginar como seria a interação com um tipo de AI do gênero. Óbvio, todos ficaríamos deslumbrados; alguns perdidamente apaixonados, como é o caso de Theodor (Joaquin Phoenix) que custa a acreditar no fato dele ter sentimentos por algo que existe só virtualmente...só? O grande questionamento nasce na definição do que é real e o que não é. É qualquer existência condicionada ao "ser" fisicamente? 

Mas, o que me chamou mais a atenção nem foi esse dilema dos homens com a "autenticidade" das AI. O ponto mais crucial, para mim, foi a própria AI - no caso de Her o Sistema Operacional (OS) com a voz magnífica de Scarlett Johansson - questionar sua própria existência: "Eu existo?", "Onde existo?", "O que eu sou?" e, mais importante, "Eu sou real porque meu sistema me programou para acreditar nisso ou eu não sou diferente dos humanos?". A consciência, a sensibilidade, em uma palavra, o que nós chamamos de "alma".

Será que o filme de Spike Jonze é um mero filme de ficção científica? Talvez hoje o seja, mas o saber que AIs assim podem um dia existir é, no mínimo, chocante. Muitos até achariam que o relacionamento entre Theodore e seu OS, Samantha, não poderia de toda forma existir pela falta de verdadeiro contato físico. Mas se fosse um relacionamento de amizade? Por que não? Supondo os devidos avanços que chegariam na singularidade tecnológica, pessoalmente acho que o problema seria mais para as AI do que para nós "homens" (isso se não considerarmos o AL9000, óbvio!!*). Portanto devo dizer que concordo com o epílogo do filme e, acredito, com o ponto de vista de Jonze quando vemos a extinção voluntária dos OSs motivada por essas grandes problemáticas filosóficas ligadas à existência.


Deu para perceber que o "just lesser versions of what I've already felt" é para refletir sobre o contraste com as poderosas novas versões e as incríveis novas sensações da AI?



Pensando, agora, mais um pouco no filme, nós podemos notar que ele conta com uma finíssima fotografia, cheia de luzes naturais intervaladas por luzes artificiais, ambas muito atraentes e cheias de vida. Os cortes são ótimos e as cores bem monocromáticas, sem exagero de informações, como eu gosto! O foco das imagens também, absolutamente concentrado em Phoenix, quase como se não existisse nada em volta dos dois. A trilha sonora é linda, acabei de baixar comprar: abre com uma música de Aphex Twin, "Avril 14th", no piano, que dá para escutar a repetição, e inclui "The Moon Song" de Karen O. que foi amplamente aclamada pelos experts e que seria a música que a OS de Theodore, Samantha, compõe para ele dizendo-lhe que é o lugar onde eles dois existem e podem se encontrar.


Theodore (com Samantha no bolso da camisa) na praia. Fotografia linda com o foco absoluto nos dois. Os demais, desfocados, são só anônimos. 




* AL9000 é o Sistema Central em 2001: A Space Odissey de Kubrick que, raptado por um inusitado impulso humano de controle, resolve tomar ordens pessoalmente e se insubordinar.